Nunca mais vamos escrever como antes
E porque isso é importante não apenas para escritores, mas para a economia global.
Pablo Neruda disse uma vez que escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias.
No entanto, qualquer pessoa que tenha experimentado colocar pensamentos em palavras sabe que escrever pode ser uma tarefa frustrante.
Escrever é na verdade um dos trabalhos mais difíceis do mundo. E é difícil porque a escrita é o meio de comunicação com o maior número de variáveis e combinações possíveis.
Partindo de uma página em branco, você pode criar qualquer imagem na cabeça do leitor. Pode narrar a lua-de-mel de um gafanhoto ou descrever uma cena em que água-vivas dançam valsa em uma biblioteca.
Você pode (tentar) explicar porque estamos aqui, o que são direitos humanos ou definir o que é o amor. Boa sorte com isso.
E para cada nova palavra que você coloca na tela, uma dezena ou centena de outras palavras podem ser escolhidas para ser colocada em seguida. Para quem não está acostumado, o ato de escrever pode acabar muito rapidamente com o nosso estoque de escolhas e causar fadiga mental.
Se você acha escrever difícil, é porque é difícil mesmo.
Encarar uma página em branco, com o cursor aflito piscando na tela vazia, esperando pelas suas palavras, é uma experiência dolorosa.
No entanto, os escritores acabam de ganhar um aliado nesse desafio.
O campo da Inteligência Artificial aplicada à linguagem — também conhecido como Processamento de Linguagem Natural, ou PLN — passou por avanços excepcionais nos últimos anos.
O aprendizado de máquina (machine learning) e uma nova arquitetura de aprendizado profundo (deep learning), conhecida como Transformers, estão na base de uma revolução que está transformando uma das atividades mais básicas da civilização: a escrita.
Tomada isoladamente, a linguagem verbal é a inovação mais importante da humanidade. Ela nos permite raciocinar de forma abstrata e desenvolver ideias complexas sobre o passado, o presente e o futuro. E a escrita é a manifestação física dessa linguagem.
A escrita é a tecnologia de comunicação mais estável, flexível, eficiente e socialmente útil que o homem já inventou. Toda a economia moderna está fundada na linguagem e na escrita. Poderíamos fazer um filme-catástrofe com o argumento imagine se o homem perdesse a capacidade de ler e escrever.
Portanto, a capacidade de automatizar — ou melhor, semi-automatizar — a linguagem oferece oportunidades sem paralelo para a criação de valor.
Em comparação com as IAs que geram imagem e música — que impactam setores específicos — a linguagem gerada pelas IAs de escrita vão transformar como cada empresa do planeta funciona.
O ChatGPT — sobre o qual está todo mundo falando — é uma aplicação em formato de chat da última versão do GPT-3 (Generative Pretrained Transformer 3).
O GPT-3 é um modelo de processamento de linguagem natural que utiliza IA para gerar textos que parecem ter sido escritos por humano.
Chamamos os modelos como o do GPT-3 de IAs generativas (IAG). Pois, ao invés de apenas responder ou classificar informações existentes, essas IAs criam algo novo a partir de um conjunto de dados de treinamento.
Dado um prompt, os modelos de IA generativos como o GPT-3 podem produzir automagicamente novas frases, parágrafos ou textos inteiros.
Prompt é o texto que você digita e envia à IA para que ela gere uma resposta, chamada de conclusão. Um prompt bem escrito fornece informações suficientes para o modelo entender o que você está pedindo e como deve responder — o que está sendo chamado de prompt design ou prompt engineering.
Exemplo de prompt:
Escreva um parágrafo introdutório para Blog Post sobre o tópico "Como a inteligência artificial vai transformar o Marketing Digital". O parágrafo deve ter de 3 a 5 frases. As frases devem ter no máximo 20 palavras cada. Evite repetir a mesma palavra mais de duas vezes.
Apesar do ChatGPT ter popularizado as IAGs no final de 2022, o GPT-3 já vinha sendo utilizado há pelo menos um ano e meio na construção de aplicativos para o mercado de Marketing de Conteúdo.
Para os profissionais de marketing, principalmente de língua inglesa, as IAs generativas deixaram há muito de ser mera curiosidade e passaram a integrar seu workflow, aumentando de 5 a 10 vezes sua produtividade em tarefas de copywriting.
Não devemos esperar que as IAGs de hoje assumam toda a escrita dos humanos. Elas funcionam bem para algumas formas de escrita como conteúdos curtos e padronizados, postagens de mídia social, anúncios na internet etc.
Já artigos de opinião ou jornalismo investigativo, por exemplo — que exigem uma escrita original, analítica e criativa — ainda precisarão ser escritos por humanos.
Mas mesmo nesses casos, as IAGs podem ajudar a otimizar o trabalho do escritor. As IAs de escrita são excelentes para superar o bloqueio da página em branco ou bloqueios criativos ao longo do texto. Elas são boas em parafrasear conceitos consolidados e que, portanto, não precisam ser reescritos do zero. Também são ótimas para revisar a gramática e o estilo do texto.
Um escritor faz qualquer coisa para evitar o ato de escrever. Por experiência própria como jornalista, posso assegurar que o número de vezes que cada repórter vai, por hora, ao bebedouro ultrapassa de longe a necessidade de água que seu corpo tem.
- Como escrever bem, Willian Zinsser
Agora imagine o seguinte cenário. Você pega sua xícara de café e se senta para escrever. Você abre o note, clica no ícone do Chrome e digita a URL dessa maravilhosa IA na barra de navegação. De cara, a IA sugere uma série de templates de escrita, organizados por gênero. Digamos que você escolha um artigo de opinião de 2000 palavras. A IA pede que você diga qual é o tema. E você digita Como a Inteligência Artificial vai mudar a forma como escrevemos.
Ela carrega o template com dicas de como escrever o título, a introdução, o desenvolvimento e a conclusão, tudo baseado no gênero em questão. E já escreve o primeiro parágrafo.
Na barra lateral há sugestões de prompt que você pode segurar e arrastar para dentro do texto: a história da escrita e suas tecnologias; a inteligência artificial como assistente de escrita; o impacto das IAs generativas na economia — e assim por diante.
Você esboça a estrutura do texto, delineia onde vai colocar cada ideia e começa a escrever. Depois de duas ou três boas frases, você trava. Ao invés de levantar para pegar mais café, beber água ou fazer xixi, você clica no botão completar e a IA continua de onde você parou. Você não gosta do caminho que ela seguiu e pede para ela reescrever. Desta vez, você decide guardar algumas ideias.
Talvez você coloque uma das novas frases como prompt e receba em troca ideias e frases ainda melhores. Ou talvez você já se sinta estimulado a continuar a linha de raciocínio da IA. Você entrou no flow e não vai parar para corrigir a gramática e o estilo. O texto está fluindo e você se sente confiante. Três ou quatro parágrafos depois o bloqueio volta. Antes, você iria parar e checar as redes sociais. Mas agora você só quer clicar no botão novamente. É viciante.
Você terminou o texto na metade do tempo, mas falta revisá-lo. Agora sim você precisa de uma pausa. Os escritores gostam de deixar o texto dormir e retomá-lo no dia seguinte, com o olhar descansado. Mas você não tem esse tempo. Ok, clique na aba revisar e a IA vai sublinhar possíveis erros de ortografia e gramática. Vai também apontar palavras repetidas, advérbios sobrando, frases cansativas e outras coisas que tiram a força e a clareza do seu texto.
Com um clique você vai aceitando ou recusando as sugestões da IA. O que faz ela aprender o seu estilo de escrita. Ela é seu olhar descansado. Seu texto está pronto e você tem o resto da manhã livre. Coisas divertidas acontecem quando você usa o poder da IA ao seu favor.
Daqui a três ou cinco anos, a maioria dos textos serão escritos com o auxílio de IAs. E tá tudo bem, é mais um passo no aumento das nossas capacidades cognitivas. É também o aumento de produtividade que a economia precisa para crescer de forma sustentável na próxima década.
As IAs são ferramentas. Por mais poderosas que sejam, elas não substituem a criatividade e a intencionalidade humana. Nossa visão para a Clarice.ai, por exemplo, é a de que ela seja a melhor ferramenta de auxílio à escrita em língua portuguesa. Feita por escritores para escritores. E não uma substituta deles.
Se Pablo Neruda estivesse vivo hoje, ele diria: Escrever é fácil. Você começa com um prompt e termina com um ponto final. No meio você coloca as ideias.